A resposta para essa pergunta é: tudo e nada, depende da perspectiva.

Ao longo da minha carreira, enfrentei desafios de diversas naturezas na execução de projetos em empresas de todos os tamanhos. Mas os mais complexos, quase invariavelmente, envolveram a dimensão humana da gestão. Ou, em outras palavras, não foram sobre planilhas ou números foram sobre pessoas.

Conflitos que afetam diretamente a saúde financeira do negócio

Vamos listar alguns padrões que, infelizmente, se repetem com frequência em projetos de consultoria financeira empresarial, com impactos reais e profundos:

Sócios que não se entendem ou divergem sobre tudo, inclusive o projeto

  • Atrasos em decisões estratégicas e operacionais importantes

  • Paralisação ou lentidão em projetos críticos

  • Ambiente interno de instabilidade e desconfiança

  • Risco de separação societária ou até falência

Aqui, não é incomum que o trabalho do consultor seja mais parecido com o de um mediador. Em muitas empresas familiares, por exemplo, atuamos como facilitadores na construção de acordos de governança e reestruturação financeira societária.

Departamentos que não se comunicam entre si

  • Aumento de retrabalho por falta ou atraso de informações

  • Ineficiências operacionais que elevam os custos

  • Falhas no faturamento, pagamentos duplicados

  • “Furos” no fluxo de caixa, comprometendo a liquidez e a gestão financeira da empresa

Esse tipo de ruído é típico em empresas que ainda não integraram os setores ou que operam sem sistemas centralizados de BPO Financeiro ou gestão por indicadores.

CEOs, diretores ou donos que se acham “professores de Deus”

  • Resistência constante à inovação ou melhoria de processos

  • Desmotivação da equipe e alta rotatividade

  • Ambiente de trabalho tenso, sem colaboração

  • Dificuldade em atrair e reter talentos estratégicos

Em muitos casos, essa liderança centralizadora impede avanços importantes, como a adoção de ferramentas de controle financeiro, automações ou mesmo uma estrutura básica de planejamento orçamentário.

O paralelo com relacionamentos pessoais

Recentemente, em um almoço com um amigo terapeuta (formado em administração), falamos sobre nossas carreiras e desafios. Coincidentemente ou não as “dores” dos nossos clientes eram as mesmas.

Mais tarde, conversando também com a sócia dele (terapeuta e advogada), estendemos a discussão para o universo pessoal: casais, famílias e relacionamentos. E adivinhe? O dinheiro era um dos principais gatilhos de conflito.

Entre os principais pontos de tensão:

  • Divórcios litigiosos, frequentemente agravados por desentendimentos financeiros

  • Endividamento pessoal ou familiar, que gera ansiedade, vergonha e tensão emocional

  • Discussões sobre herança e partilha de bens

  • Desemprego repentino, abalando o equilíbrio emocional e financeiro

  • Diferenças salariais entre cônjuges, gerando disputas de poder ou ressentimentos

  • Doenças graves na família, exigindo gastos inesperados e desorganizando o orçamento

Esses temas aparecem com frequência em atendimentos de consultoria financeira pessoal e familiar, e são ampliados pela ausência de educação financeira no ambiente doméstico.

O que os números escondem?

Voltemos à pergunta inicial: o que finanças têm a ver com terapia? Para mim, tudo.

O que percebo, depois de anos atuando tanto em empresas quanto com famílias, é que os grandes conflitos quase nunca são apenas sobre os números. Eles são reflexo de medos não verbalizados, disputas de poder e questões emocionais mal resolvidas, que acabam se manifestando… nas planilhas, nos balanços, nos atrasos.

Alguns padrões são comuns, tanto na gestão de empresas quanto na vida a dois:

  • O sócio que “sabe tudo”: medo de perder o controle, insegurança quanto à sucessão. Resultado? Decisões financeiras travadas.

  • O departamento que não comunica: não é só falta de processo. É territorialismo, ruído de confiança e cultura organizacional desalinhada.

  • O casal que briga por gastos: na prática, refletem dinâmicas de desigualdade ou falta de alinhamento de expectativas.

A ausência de gestão financeira nas famílias

Um ponto que raramente é abordado de forma direta: gestão financeira doméstica estruturada é exceção, não regra. Idealmente, deveríamos aplicar em casa os princípios básicos que usamos em uma empresa:

  • Controle de fluxo de caixa

  • Planejamento e acompanhamento de receitas e despesas

  • Orçamento mensal e anual

  • Projeções e metas financeiras

No entanto, na prática, o que ocorre é o oposto. Normalmente uma das partes (frequentemente a mulher, mas não exclusivamente) assume o controle financeiro da casa. O parceiro muitas vezes delega e se distancia.

O problema aparece quando esse relacionamento termina: quem nunca participou da gestão financeira se vê completamente vulnerável. Seja por separação, falecimento ou outro rompimento, o impacto é profundo tanto emocional quanto financeiro.

Conclusão

Seja no mundo corporativo ou pessoal, conflitos financeiros geralmente não são sobre “dinheiro” no sentido estrito da palavra. São sobre comunicação, poder, medo e controle.

O papel de uma consultoria ou de um profissional de finanças com visão ampla vai além dos números. É ajudar a construir pontes entre pessoas, áreas e interesses, gerando clareza e sustentabilidade financeira, sim, mas também emocional e relacional.

Talvez finanças e terapia estejam mais conectadas do que imaginamos.